quinta-feira, janeiro 4

Origem dos para-militares no Rio, segundo Cesar Maia

No seu seu ex-blog o Prefeito Cesar Maia, do Rio de Janeiro, apresenta alguns pontos interessantes sobre a origem dos grupos para-militares na cidade. Tudo bem que é um pouco estranho ver o prefeito da cidade onde acontece tudo isso falar com tanta propriedade do assunto e não ver a mesma competência na atuação dos órgãos de segurança no município e no estado. Mesmo considerando que esses órgãos são basicamente estaduais e federais, e aí o Prefeito diria que esse não é um problema dele, continua sendo muito estranho, não acha?
Ainda assim vale à penas ler e vão os principais trechos:

"01. Nos anos 80, quando o tráfico de drogas, no varejo, foi se estabelecendo em favelas cariocas, o processo se deu naturalmente com o "malandro" ou bandido morador da favela, assumindo o comando do ponto, depois chamado de boca de fumo. O tráfico de drogas não pode conviver com outro tipo de delito dissociado dele, pois isso atrai polícia e desestabiliza o ponto. Alguns pesquisadores - de longe - traduziam a paz da favela como se o traficante fosse um Robin Hood local. Avaliação equivocada. O serviço público trazido pelo traficante - nascido e criado na comunidade - foi a eliminação de qualquer outro tipo de delito. No início aplicaram-se regras de punição, como tiro na mão de quem furtou, etc...

02. A razão de fundo das facções de origem - Falange Vermelha, Jacaré, e depois comandos - da forma que conhecemos, foi a generalização do mercado de drogas nas favelas e a diferenciação das taxas de lucro. Com isso gangs disputavam o controle das mais lucrativas ou novas gangs disputavam a entrada no mercado. Isso passou a ocorrer no final dos anos 80. A desestabilização se tornou geral.

03. A organização dessas facções desenvolveu-se de forma a reduzir os riscos de sua eliminação. Muitos analistas acham que não existe essa organização, pois pensam organização como um ordenamento em organograma com presidente, diretores...Ou se referem às máfias ou à contravenção. O ordenamento para a sobrevivência criou organizações virtuais onde cada gang em torno de uma boca de fumo estabelece com as demais relações básicas de não agressão e progressivamente de fornecimento preferencial de drogas e armas. Nesse sentido a única forma de se manter este ordenamento, onde a cada "soldado do tráfico" morto, sua substituição se dá automaticamente, ou mesmo a própria substituição automática de toda uma gang em torno de uma boca de fumo, é ter um chefe geral virtual. Para isso só pode ser chefe geral quem estiver preso. De outra forma a eliminação da cúpula desmontaria a organização. Mas ter chefe – preso - passou a ser uma necessidade para dar unidade às facções.
04. A continuidade da ação das gangs e seus "comandos" foi construindo uma lógica análoga a das FARC colombiana. As gerações seguintes foram desenvolvendo a própria atividade como um objetivo em si. E nada mais. Não se tinha, mais, o poder como meta, nos moldes das guerrilhas dos anos 40, 50, 60 e 70. Desta forma a eliminação de seus componentes deixou de ter efeito demonstração, pois o medo da morte desapareceu. Isso tornou ainda mais complexa a repressão. A percepção de que as gangs eram indestrutíveis tornou a corrupção uma rotina e - entre vários policiais - eliminou a fronteira entre policia e delinqüente.

05. Nos anos 90 a universalização do narco-varejo nas comunidades e a generalização das disputas pelas bocas de fumo com uso de armas militares com poder de destruição crescente, foi mudando a lógica dos anos 90. Uma boca de fumo tomada por uma nova gang, trazia para esta favela um "dono de morro" de fora, portanto não mais nascido e criado nela. Com isso os delitos associados ao tráfico de drogas tiveram ampliada a sua latitude, pela desconfiança em relação ao seu entorno. Os traficantes passaram a serem vistos como carrascos nas comunidades. Não tinham mais nenhuma cumplicidade parcial das pessoas. Impunham seu domínio pelo pavor. E assim foi e é até hoje. Criou-se o caldo de cultura para a entrada de grupos de "justiceiros".

06. A experiência na comunidade Rio das Pedras, de grupos de policiais ativos e inativos, sua própria empresa de vigilância, a base nordestina da favela, e a articulação positiva com seu entorno – rico - na medida que não há crianças da comunidade nas ruas, e a mão de obra local é de absoluta segurança para quem contrata, estabeleceu um novo tipo de paz numa comunidade. As pessoas e empresas locais pagam suas taxas de segurança e se vêem compensadas pelo serviço. A base de legitimação é a radical inexistência de trafico de drogas, incluindo aí a inexistência de consumidores. E a garantia de continuidade. Esse é um tópico básico. A polícia reprime os traficantes de uma certa comunidade, ocupa e dias depois sai. Aqueles que foram "simpáticos" com a policia, na volta da gang são brutalmente eliminados.

07. A experiência de Rio das Pedras foi se expandindo para as comunidades de Jacarepaguá, comunidade a comunidade. A base de legitimação é o afastamento do tráfico de drogas. Porém mais que isso: é o afastamento do pavor novo implementado. Novas experiências pontuais foram ocorrendo e a reação das comunidades - apesar dos pedágios de diversos tipos - foi melhor que a esperada, na medida que passaram a certeza que a ocupação seria contínua. A descoberta de que o sistema de pedágios acrescido à boa articulação com o entorno, produzia ganhos permanentes para os grupos de para-militares e para a comunidade, ampliando a atratividade dos serviços assistenciais e reduzindo a taxa de desemprego local, esse processo ganhou nova dinâmica e se acelerou, durante 2005 e 2006.

08. Os para-militares tiveram a habilidade de não se tornar um grupo de segurança à parte. Passaram a ser a própria associação de moradores e com isso a ser parte da comunidade e não serviço de segurança armada apenas.

09. Paralelamente o mercado "batizado" de cocaína sofreu uma queda em função de alternativas químicas. A classe média consumidora deixou de ir a boca de fumo, pela insegurança e passou a ter fornecedores fora das favelas e através da generalização do delivery por moto-boys. Os comandos se debilitaram.

10. Qual a dinâmica deste processo todo? Sem nenhuma dúvida será o crescimento dos locais controlados por paramilitares a partir daquela transformação do traficante nascido e criado (Escadinha...), por traficante carrasco e o curto circuito nas relações com a comunidade. Os para-militares demonstraram que reprimir o tráfico de drogas nas favelas é tarefa simples sem precisar de "inteligência policial e investigação sofisticada", como se dizia. Com a auto-estima da corporação policial em baixa, e com visão de missão decrescendo, a cumplicidade entre traficantes e policia cresceu. Com isso a lógica de parte da polícia passou a ser a renda. Os para-militares mostraram que a lógica da renda poderia ser resolvida – paradoxalmente - com a eliminação do narco-varejo. E o processo se tornou auto-sustentado.

Depois disso o prefeito ainda acrescenta alguns pontos sobre as soluções possíveis e dá dicas ao novo Governador...
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A memória do Professor Zerbini agradece

Quem sempre achou muito estranho a atuação da Fundação Zerbini, percorrendo as sombras de Brasília, trocando atendimento VIP a políticos e seus familiares por convênios e outros privilégios, sempre jogando bruto, deveria ler o artigo de MARCOS BOULOS, GIOVANNI GUIDO CERRI e JOSÉ MANOEL DE CAMARGO TEIXEIRA na Folha de Hoje. Apenas uma pitada:
"Foi a mudança de filosofia associada à gestão temerária exercida na fundação que levou o conselho deliberativo do HC a intervir diretamente em seu funcionamento em 2005. A diretoria e o conselho curador foram alterados no ano passado e a fundação começou a voltar a ter como seu objetivo central apoiar as atividades do InCor."
E veja que não se trata de qualquer um: Boulos é diretor da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas, Giovanni é chefe do Departamento de Radiologia e ex-diretor da Faculdade de Medicina da USP, e Teixeira é superintendente do Hospital das Clínicas.
Além de cortar na própria carne, o artigo demonstra transparência.
A Fundação leva o nome de um pioneiro da cardiologia no Brasil: Professor Zerbini.
Que continuem assim!

FMI em crise?

Eliane Catanhede hoje na Folha:
"O mesmo FMI que impõe arrochos fiscais draconianos aos países que financia, inclusive com cortes de salários e aposentadorias, é o que paga fortunas milionárias aos seus principais executivos e banca universidades para os filhos de até 24 anos dos seus funcionários. Caso típico de "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Catanhede comenta a matéria de José Meirelles Passos (O Globo) sobre uma suposta crise financeira no FMI:
"os funcionários do fundo foram todos serelepes para a "festa da firma" no final do ano, esperando os tradicionais lagosta, caviar, champanhe importada e orquestras hollywoodianas, mas tiveram que correr depois ao bar da esquina para encher a pança. A lagosta e o caviar viraram amendoim e azeitona."

terça-feira, janeiro 2

2º Mandato começou faz tempo

Do blog do Noblat:
A largada foi dada
O segundo governo Lula começou 48 horas depois do segundo turno da eleição passada – e tem muita gente que ainda não se deu conta. De lá para cá tem havido longas reuniões semanais para descobrir o que entrava o crescimento do país e montar uma agenda de ações. Lula não tem pressa para formar o novo ministério. É o senhor do tempo. Primeiro informará aos brasileiros o que pretende fazer. Depois chamará os partidos e dirá: “Quem concordar com esse plano de vôo governará comigo”. Os que responderem “ok” indicarão ministros. E não terão desculpa no Congresso para negar votos ao governo.

Os novos governadores

Uma dado relevante da renovação dos governos estaduais é que muitos governadores representam uma nova geração de políticos na casa dos quarenta e poucos anos. Ainda que em muitos casos representem uma nova faceta mais moderninha das mesmas oligarquias de sempre, é bem melhor um Cássio Cunha Lima do que um ACM, não é mesmo?
Em outros casos, esses jovens governadores representam de fato novas visões e grupos políticos regionais, que vem a substituir as oligarquias tradicionais. só que em muitos casos, para dar certo no poder local, é preciso "negociar" e dividir poder com as mesmas bases que antes sustentavam a oligarquia tradicional.
Ou seja: cara nova, discurso novo e práticas antigas...

segunda-feira, janeiro 1

A posse, o desenvolvimento e o Rolls Royce

O pior da segunda posse do Presidente Lula não foi nem a falta de público, por causa da chuva, do descrédito com a política e do repeteco da posse; nem a cara de almofada do Aldo Rabelo ao lado do Presidente, com os braços em cima da mesa e claramente desconfortável (talvez com o Chinaglia bem à sua frente, em pé no corredor central), vai saber...
O pior mesmo é a sensação de estar numa República de Bananas ao ver o Presidente desfilar num Rolls Royce da década de 50 seguido pelo vive Presidente num Ford 29 "alugado especialmente" para o evento.
A cena é uma caricatura do nosso subdesenvolvimento e da nossa incapacidade de pensar e fazer o Desenvolvimento do país. Pense bem: num país em que o desenvolvimento fosse um aspecto central da estratégia de governo, em que a economia fosse integrada mundialmente, que tivesse em pleno desenvolvimento, com crescimento a altas taxas anuais, com uma democracia dinâmica e uma elite política que representasse de alguma maneira este espítito de desenvolvimento, nós teríamos o Presidente desfilando num Rolls Royce 53 e o Vice num Ford 29?!